Prudens quid pluma niger secundum

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17/05/16 novas pontes

Para mais de ano, comentei aqui sobre a importância da construção de pontes nas nossas relações sociais. Alguém mais afobado vai dizer que isso é muito fácil em se tratando do Fantini. Não só veemente nego, como assumo que isso faz parte de uma decisão pessoal de transformação. Eu era um cara fechado e resolvi não ser mais e sei como não é fácil criar pontes.

Mas você já está aí encucado porque queria ler alguma aventura ou peripécia após longo tempo sem que o humilde aqui escrevesse uma frase sequer é dá de cara com esse papo furado de livro de auto-ajuda.

Pois bem, existe todo o mito de que andar de moto transforma a pessoa. Posso afirmar que te transforma numa pessoa mais suja depois de 1h debaixo de chuva com caminhões levantando água suja na Serra do Cafezal na Regis Bittencurt ou mais fedorenta após 1h no asfalto escaldante da região sul de minas quando entre 11:00 e 14:00 você está lá no meio da Fernão Dias.

Dizer que andar de moto vai te tornar uma pessoa mais legal, somente porque agora tira fotos de tirar o fôlego na estrada. Fotos são para ter boas lembranças, mesmo se for usar os filtros de algum aplicativo para melhorar as fotos de celular.

Foto de paisagem e comida. Duas vezes mais hipster.

Foto de paisagem e comida. Duas vezes mais hipster.


Depois desse tempo razoável sobre duas rodas (e desejo que ainda continue por muito mais tempo, afinal temos que alcançar o Ghan), descobri que ando de moto é para atravessar pontes e alcançar algum amigo, antigo ou novo, que o caminho da vida foi me apresentando para filar comida. Sério.

O famoso Ghan, reza a lenda que aprendou o sorriso interior em Cleveland

O famoso Ghan, reza a lenda que aprendou o sorriso interior em Cleveland

Em todas as viagens e passeios em que não estava caçando alguma estrada nova (onde normalmente estou sozinho), foi para visitar alguém e filar um rango, uma cama e uma ducha. Agora eu lhe pergunto: isso é realmente uma tremenda cara de pau que inventei ou porque tive a felicidade de encontrar pessoas que o santo bateu?

É assim vamos tocando a toada, fazendo aquilo que o ser humano como ser social sempre fez: se relacionar, receber e ser recebido, pavimentando pontes através do respeito, mas que para os habitantes das grandes cidades é a última novidade ou trend, porque essa vida corrida e isolada os fez esquecer disso.

Um agradecimento especial a todos os amigos que me receberam nos últimos dias: Guy Correa em Formiga MG, Tiago Conte em Conselheiro Lafaiete MG, Ghan e família em São José dos Campos SP e Agnelli Cordeiro em Curitiba PR. E naturalmente desculpas aos que não pude visitar neste mesmo período. Não faltarão oportunidades!

Com a benção daquele que tem a pena preta!

Com a benção daquele que tem a pena preta!


Foram 1 semana e alguns dias, 3 estados, 7 cidades, 10 rodovias, mais de 3.000km.


22/06/13 o caboclo chegou aos cinquenta, vamos ver se alcançamos ele

Sábado por volta de 10:00 da manhã. Encontro o Maia em uma cidadela minúscula do Rio de Janeiro, Casimiro de Abreu, eu acho. Um posto qualquer para trocar um idéia enquanto tomamos um café. Afinal, se tem gente que vai na padaria ali da esquina, nós também podemos!
Ele já vinha de ontem, rodado a noite (vai gostar) e eu tinha saído de Vitória ES no início do dia. Estávamos lá discutindo sobre as últimas peripécias e acabo me lembrando que fim de semana passado acabara de chegar de um passeio de 15 dias e já estava novamente na estrada para dar um pulo ali em São José dos Campos SP. Cansativo? Talvez, mas era por um nobre motivo.
Daí a pouco já estávamos comendo asfalto novamente atravessando a BR101 para alcançar a cidade maravilhosa através da Ponte Rio Niterói. Era seguir um pedaço da Avenida Brasil e alcançar a Rodovia Presidente Dutra. Rodar já é bom por si só, indiferente da estrada ou destino (quando se tem algum) e acaba ficando ainda mais divertido na companhia de amigos.
Principalmente subindo a Serra das Araras quando a moto de um distinto aí sai arrastando plataforma em 11 de cada 10 curvas que haviam. Sério, teve uma hora que olhei para trás e não acreditava na quantidade de fagulha de aço sendo lixado que uma moto pode gerar. Segundo ele estava fazendo de propósito.
Mas também sorriu de uma orelha a outra quando comentei que pegaríamos a Rodovia Carvalho Pinto pouco antes de chegar ao destino. Desde que entramos na Dutra estava reclamando por não saber onde estão os radares e que o motor estava esquentando e que precisa esticar, mas estava com medo de levar multa. Esses caboclos de “speed” são foda.
Como a Carvalho Pinto não tem muito trânsito e já sabia a localização dos pardais, somente liguei o pisca alerta. Pronto, foi o suficiente para o “até então pacato professor universitário” despejar potência na roda e poder se aproximar da experiência de pilotar um Supermarine Spitfire dividindo o céu de guerra com um Messerschmitt BF109. Treme tudo, o olho lagrimeja, a garganta seca, o asfalto ganha outra dimensão.
Por volta de 16:00 e alguma coisa alcançamos o portão da casa do velho rabugento. Sim, rodamos esses quase 1.000km só para dar um abraço no caboclo que neste exato momento completou 50 anos sobre duas rodas. Não precisa dizer mais nada a não ser: “vamos ver se alcançamos ele”.

– Não falei, Maia, 16:00 a gente chegava aqui? Devia ter apostado hein?
– Olha a desfaçatez da criatura! São 16:40, não 16:00! Apostar o que?
– Bom, a gente perdeu muito tempo na Serra das Araras, melhor treinar as curvas.

Bom, o velho rabugento já tinha ido para o boteco lá onde estava comemorando junto com o outros caboclos que conheço de outros carnavais. Mas também foi bacana finalmente ver o focinho feio de outros que até então só havia trocado mensagens pelos fóruns da vida. Uma pena que como alguns eram de São Paulo e haviam chegado mais cedo, já estavam de partida.

E assim ficamos lá curtindo os amigos e o frio. Ok, o problema foi que os dois manés aqui passaram no hotel e voltaram sem jaqueta. Quando chegou por volta de sei lá qual hora da madrugada, velho, foi tenso.
Ok, Fantini, mas quem é esse tal de velho rabugento aí? Ah! Deixa ele mesmo se apresentar.

50 anos de motociclismo do Ghan

Se você não ficou com vontade de fazer o mesmo e algum dia alcançar a mesma quantidade de tempo sobre duas rodas, bom, vende sua moto e vai procurar outro passatempo, tipo tricô.
No domingo de manhã ainda pegamos uma rebarba do café na oficina do João da Triumph, lá na Motos do Porão. Sem mencionar a pessoa fantástica que o caboclo é, o lugar é um Museu do Louvre para quem quer saber o que é moto. E naturalmente recepção digna de rei. Bão dimais!
Partimos para Sampa em seguida, ia deixar o Maia pernoitar na casa do Casal Tavares enquanto tive que atender uma intimação judicial.
Na segunda estava de volta a Vitória ES e tinha ao menos uma certeza: 50 anos, agora nós temos uma meta.


05/06/13 enquanto a bezerra continua morta

São 05:30 da manhã e a esposa acorda de sobressalto com o grito do marido:
– Ele vem! Ele vem!
– Meu deus, calma, quem vem?
– O Fantini, o Fantini vem para São Paulo!
– Mas como você sabe? Ele não estava em Goiânia?
– Programei meu celular para acompanhar as publicações dele no facebook. Já vou até mandar uma mensagem no whatsapp para saber quando ele chega.
– Meu bem, vamos voltar a dormir? Vamos.

A parte divertida de uma longa viagem de moto, mesmo com paradas estratégicas para visitar os amigos e descançar o corpo, é que o clima sempre te surpreende. Eu acreditava que não seria possível passar mais frio quanto o que passei a praticamente uma semana atrás, subindo na quinta de Vitória ES para Três Ranchos GO. Estava enganado.
Enquanto avançava a BR153 com destino à divisa de Goiás com Minas Gerais, para seguir para Uberlândia MG e de lá pegar a BR050 em direção a São Paulo, a espessa neblina da madrugada cortava a jaqueta, a segunda pele, minha pele e calcinava meus ossos. Vejo a saída para Caldas Novas GO e praguejo por estar indo em outra direção.
Aí lembro que não havia abastecido na noite anterior e olho o hodômetro. Tinha ainda garantido 50km de autonomia e assim fui neblina adentro. 40, 45, 49km, nada de posto, quer dizer, passei uns três que estavam no sentido contrário da rodovia. Cai alho, Fantini! E porque não atravessou a pista? Bom, pista dupla com retas infinitas tem suas vantagens. A desvantagem é a mureta central ou uma vala de todo tamanho. Fora a teimosia de não pegar o retorno porque tinha retorno para o posto, mas não tinha retorno para voltar. Fora que estava frio igual na terra do capeta e queria evitar qualquer manobra brusca.
Aos 51km o posto apareceu, minha salvação. Quer dizer, salvaria a autonomia. Com essa temperatura, parar é até pior, porque o corpo esquenta novamente e quando se volta para a estrada, o choque térmico é ainda mais forte. Tudo bem, podem rir do fato de ter deixado o forro da jaqueta para trás lá em Vitória ES. Mais algumas sequências de nada com coisa alguma na paisagem em volta, a solidão tomando conta de seu ser e a divisa de estados surge junto com a ponta do sol para mostrar que sim, você está vivo e não atravessando alguma ponte através do Rio Aqueronte.

Divisa Goiás - Minas Gerais em direção ao trevão

Divisa Goiás – Minas Gerais em direção ao trevão

Logo em seguida há um trevão onde se pode seguir direto para entrar em São Paulo pela estrada que chega a Barretos SP (ninguém recomenda) ou pegar um trecho da BR365 até Uberlândia MG e lá pegar a BR050 (que vira Anhanguera em SP) passando por Ribeirão Preto SP, caminho mais recomendado e por onde fui. E continuou o frio, Fantini? Alguém deve ter perguntado. Sim, continuou lá em Goiás, porque agora começava a esquentar de tal maneira que era impossível acreditar que a poucas horas atrás poderia encontrar um pinguim passeando no acostamento que não acharia estranho.

o sol voltou

o sol voltou

Já passam de 11:00 da manhã. O sujeito está inquieto, reunião tensa na empresa, saca o celular.
– Co jest kurwa? Jesteśmy w spotkaniu! Chcesz stracić piłki!? (1) – esbraveja o chefe polonês.
– Calma chefe, preciso saber do Fantini. Como assim?!? Nenhuma resposta dele, vou mandar outra mensagem.

Entre Campinas SP e Valinhos SP, durante uma parada de abastecimento, resolvo conferir a hora para acompanhar o avanço da viagem e comentar no facebook que estava correndo tudo bem. Vejo umas três mensagens no face e outras cinco no whatsapp. Da mesma pessoa:
“Assim que puder, me liga”
“Chegando em São Paulo, me avisa”
“Já providenciei cerveja”
Bom essa última interessou e respondi um educado: “pensarei no seu caso”, até porque tinha compromissos da pena preta. Mas como havia aberto o celular, resolvo conferir o mapa também, esses trem high tech de hoje facilitam a vida, e vejo que com um pequeno desvio de 150km poderia dar um abraço no velho rabugento lá de São José dos Campos SP e assim peguei a Rodovia Dom Pedro I e segui para lá.
Cheguei ainda no final da tarde, a casa estava com cara de vazia. A moto na garagem, mas o carro não. Isso é sério? O velho é só gogó mesmo! Vejam, compra essa moto enorme só para tirar foto dela enquanto lava na garagem. E depois sai para passear de carro! Trinquei! Pego o celular para ligar para ele e já sacanear até a 3a geração, quando lembro que lá em Três Ranchos GO, uma falha sem explicação apagara a memória de contatos. Trem high tech mão na roda, o cai alho! Ainda tentei conseguir o número de telefone por outras vias, mas acabo descobrindo que ele estava em Jundiaí SP, próximo de onde eu havia pegado o desvio. Paciência.
Pego a Dutra de volta para São Paulo SP e de repente o calor desaparece e encontramos de volta a sensação de estar indo em direção ao Tártaro. E assim novamente a viagem de moto lhe apresenta a sua maior lição: não importa quem você seja, o clima não se interessa por sua insignificância e vai se apresentar do jeito que melhor o convier, indiferente a sua vontade. Se acostume com isso ou venda a moto e compre um sofá e uma televisão full HD.

em direção ao tártaro

em direção ao tártaro

Após ficar perdido pela enésima vez para pegar a saída para Av. Paulista, acho o endereço de onde tinha meu compromisso e o trecho de hoje estava finalizado depois de uns 1.100km e por volta das 19:30. Ligo para o Hellton.

– Fala, que bom que ligou, já estava preocupado. Já está aqui na porta de casa?
– Não.
– Uai, mas está a caminho?
– Não.
– Está perdido de novo?
– Errei o caminho, mas já achei o endereço aqui.
– Endereço? Não vai vir para cá?
– Não.
– Como assim? COMO NÃO?!?
– Sossega, a bezerra continua morta.

(1) Que porra é essa ? Estamos em reunião ! Quer perder as bolas ?!?


08/04/12 não se experimenta no sofa da sala

CdGP DACS

Já passava de 20:00 da noite de domingo quando finalmente cheguei em Vitória ES. Comecei a refletir sobre a viagem. Havia saído de São Paulo SP às 06:30 da manhã com um tempo frio que qualquer um consideraria continuar na cama, enquanto eu ali na infinitude da estrada. Atravessando o Rio de Janeiro RJ, já no calor de meio dia, porque tinha errado a saída da Dutra para a Av. Brasil, pude conhecer a cidade nada maravilhosa, com seus cortiços, ruas estreitas e gente estranha, tão diferente daquelas que insistem em nos mostrar na televisão. No final da tarde já ultrapassava a fronteira em direção ao Espírito Santo, somente para descobrir que muitos resolveram fazer o mesmo que eu, enfrentar a estrada no feriado. Enfrentei eles, o trânsito e a estrada noite adentro.

Viajar de moto não é algo que se experimenta sentado no sofá da sala olhando o tempo passar pela janela. Você decide literalmente experimentar o tempo, o espaço e toda a sorte ou infortúnios que a viagem resolver lhe proporcionar. Sua única participação é atravessar a estrada que liga um destino ao outro.

Helton e Gisele não deram muita bola para meu auto convite: “Camaradas, estou indo para Sampa, separem o sofá para mim”. Começaram a argumentar sobre planejar a visita e tal e… “Camaradas, basta cerveja na geladeira e Buddy Guy na vitrola.”. Dois dias antes de retornar, na sexta cedo já avançara um bom pedaço do Rio de Janeiro. Me lembrei da última vez que estive aqui, subindo a Serra das Araras, dona stefânia bufando o óleo velho e o filtro saturado de um teste de 10.000km. Vou dizer que aquela vez foi sofrida.

E tudo para estar com o Ghan num encontro em Penedo RJ. E como tinha um tempo que não visitava o velho amigo, achei por bem ligar para ele quando estivesse em terras bandeirantes. Se estivesse em casa, passaria para dar um abraço. A essa hora, o povo do clã que resolveu descer de Belo Horizonte MG – Agnelli, Fábio, Rachel, Rubens – já estava em peso na casa do Helton, churrasco na alta preparado pelo Bruno e eu na terceira parada já na Dutra após Rio de Janeiro RJ comendo uma esfirra. Sim, a estrada é ingrata. Mas eu gosto de esfirra.

O Ghan estava em casa e me recebeu em prantos:
– Fantini, KCT! Essa maldita prótese dentária! Não dá mais para me divertir arrancando os dentes com o alicate.
– Uai, se quiser te empresto aquele soco inglês que você me deu lá no Tibet. Resolve na hora.

Agradeci o café e o bom papo e continuei viagem até Vila Mariana, São Paulo SP, onde o povo do clã já estava em outra órbita. Ao menos me acompanharam em duas cervejas. Um grande feito considerando o castelo de latinhas vazias encostado na churrasqueira. Como diz o Nuanda: “esse povo bebe demais…”.

No sábado cedo convenci todo mundo a me acompanhar na General Osório. Tinha duas missões: a) comprar “uns trem” para dona stefânia e b) encontrar com os DOGs de Sampa. A missão (a) foi resolvida em pouco tempo e após visitar meia dúzia de lojas. Já a missão (b), bem, o desinfeliz do Ramone me passa um telefone que estava desligado. Para ajudar a loja da Warrior mudara de endereço e acabei não achando ela. Depois vim a saber que os camaradas não só ficaram me esperando como até me procuraram por lá. Agradeço a preocupação do grande Nishida e do Prof. Hirai por até me ligarem para saber se eu estava vivo. Sim, eu estava, foi somente um completo desencontro.

Depois de uma lasanha de almoço devidamente preparada pela Gisele (o Helton jura que foi ele quem fez), discutir políticas públicas com o Dr. Agnelli e o Dr. Rubens e todo mundo entrar em estado vegetativo para fazer a digestão, resolvi retomar a discussão filosófica da visita anterior com Sabbath, o gato, e seu novo companheiro, Led, o outro gato.

– Sr. Fantini, novamente em minha morada. Vejo que trouxe outros intrusos. Muito irritante.
– Sr. Sabbath, vejo que agora tem um companheiro de morada. Quem é o macho dessa história?
– Malditos humanos!!! Não se tem sossego nessa bagaça!!!
– (rachei)^3!!!

Mais tarde a turma insistiu para tomar mais uma última cerveja de despedida. Declinei. Precisava dormir para retornar no dia seguinte.

Pouco mais de 2.000km, 3 estados, não sei quantas cidades, ao menos 7 climas diferentes, um vazamento de óleo no retorno. Somente para se estar com os amigos. Não se experimenta isso sentado no sofá da sala olhando a paisagem passar pela janela.